"O Sr. Dinheiro e o negócio de entretenimento
Hoje (escrevo em 18 de Dezembro) fiquei sabendo da existência do Sr. Dinheiro, personagem criado, aparentemente, pelo "Fantástico" da TV Globo em cima de Luis Carlos Ewald. O Sr. Dinheiro ganha para ensinar finanças na FGV do Rio e prestar assessoria financeira. Hoje ele concedeu uma entrevista ao portal InfoMoney dizendo que há uma bolha imobiliária no Brasil que vai estourar "no primeiro semestre de 2014". A entrevista não fala como ele precisou tão bem o timing. Se tem um modelo para isso, é forte candidato ao Nobel nos próximos anos.
Assumindo que, de fato, haja uma bolha no mercado imobiliário brasileiro, o que garante que ela vai estourar nos próximos seis meses, ou seis anos? Nada. Se é fato consumado que toda bolha estoura (ver a pesquisa da GMO sobre o assunto, a mais completa que conheço), também é mais ou menos estabelecido que bolhas podem ser incrivelmente resilientes. As perdas amargadas por muitos grandes investidores que tentaram ir contra bolhas, de Julian Robertson a George Soros, passando pela própria GMO, parecem confirmar a frase (aparentemente apócrifa) atribuída a Keynes: o mercado pode permanecer irracional por mais tempo do que você pode permanecer solvente.
Ewald, porém, não deve ter problemas de solvência (ou pode ser mais esperto que Robertson, Soros, Jeremy Grantham ou o próprio Keynes). Ele e outros consultores financeiros não vivem de acertar ou errar: vivem de colocar o nome nas manchetes, fazendo previsões "ousadas" e "bombásticas". Em seis meses, se errar, ninguém mais vai se lembrar e ele pode continuar cobrando por aulas e consultoria; se acertar, vira guru. Baixíssimo risco, alto retorno potencial: esse é o melhor investimento que o Sr. Dinheiro poderia recomendar.
O problema aqui é como reputações no mercado financeiro são construídas e destruídas. O assunto merece um estudo mais cuidadoso, mas arrisco alguns palpites: é uma área que lida com variáveis complexas, com um componente brutal de incerteza, onde o sucesso é difícil de ser mensurado ao longo do tempo, e povoada por um nível monumental de ignorância. Isso gera um grande problema de seleção: como saber escolher um bom profissional se (i) o nível de conhecimento geral sobre o assunto é baixo e qualquer um que fala besteiras com convicção pode se passar por expert; (ii) mesmo os verdadeiros experts sofrem para entregar resultados (e estes são os que, sabendo da incerteza, cercam de cautela suas opiniões e frequentemente são vistos como "fracos" ou "pouco arrojados"); (iii) os resultados mais visíveis são os de poucos meses - para períodos mais curtos, o peso da incerteza é ainda maior, e anos de bom trabalho são facilmente esquecidos após um semestre de performance fraca. Aqui, de novo, o grande Keynes: "é melhor para a reputação falhar de forma convencional do que ter sucesso de forma não convencional".
Aqui, a analogia com o futebol e seus inúmeros comentaristas é quase perfeita: o assunto, complexo, é parte importante da vida de milhões; há um corpo de conhecimento sobre o assunto, dominado por poucos; o conhecimento implica reconhecer que grande parte do jogo é determinada por fatores que não podem ser explicados; quem reconhece isso não chama a atenção devida e quem ganham os holofotes são os que gritam mais alto, usam metáforas mais coloridas ou criam mais polêmicas. Tostão escreveu hoje, na Folha, que, caso o Atlético Mineiro passasse do Raja Casablanca, podia tanto ser goleado pelo Bayern ou ganhar a final do Mundial de Clubes. Isso pode parecer óbvio, mas embute grande dose de humildade, conhecimento e sabedoria. Coloquem ele em um canal da TV dizendo isso e no outro o Craque Neto dizendo que o Galo é favorito, que esses times da Europa não são tudo isso, etc, e vejamos quem atrai mais audiência. Em resumo, ambos os negócios remuneram mais entretenimento e menos conhecimento. Ao menos no futebol raramente se coloca em risco o dinheiro da aposentadoria.
O post já está longo demais e ainda nem cheguei ao que mais me deixou doente na entrevista do professor. Cito:
Ainda segundo o Sr. Dinheiro, quando o mercado imobiliário desaba, a bolsa de valores (e o mercado acionário como um todo) melhora muito. “Essa bolha que vai estourar no ano que vem vai criar uma ótima oportunidade para os investidores do mercado de renda variável, afinal, o desempenho de ambos são inversamente proporcionais”, finalizou.
Entre 2007 e 2008, o preço de imóveis nos EUA, medido por um índice criado pelo professor de Yale que ganhou o Nobel este ano e o Sr. Dinheiro orgulhosamente citou como referência para suas previsões, caiu pouco mais de 25%. As açoes americanas, medidas pelo S&P 500, perderam mais de um terço do seu valor. O mesmo aconteceu em inúmeros outros países onde o mercado imobiliário colapsou. A crise que se arrasta até hoje é das maiores da história do capitalismo, mas não é evidência suficiente para o Sr. Dinheiro, que prefere sacar uma teoria estapafúrdia para empurrar incautos para o mercado de ações.
Uma das frases que Nassim Taleb gosta de repetir (acho que está no Antifragile, se bobear é emprestada de algum grego): se você vê uma fraude e não grita "fraude", você é uma fraude. O Sr. Dinheiro é uma fraude. Espero ter coragem e isenção para apontar outras ao longo da vida."