No nosso trabalho de mostrar a verdade sobre o poker e pra tirar o peso de algumas acusações falsas que caem sobre nosso esporte da mente, mostramos sempre o nosso melhor lado, esquecendo por vezes que não vivemos uma profissão com 100% de glórias, como na verdade nenhuma profissão é.
O poker foi benéfico na minha vida, eu não tenho dúvida. Melhorei minha condição financeira, evolui como ser humano, conheci pessoas que me ajudaram a mostrar o mundo de outra maneira, fiz amigos.
Mas ao longo dessa jornada de 5 anos e 3 como profissional, não vivi apenas coisas positivas assim como a maioria dos profissionais que eu conheço. E acho importante de alguma maneira iniciar um debate com a intenção de que todos os envolvidos no poker atentem pra isso e possam tornar suas carreiras ou mesmo seu passatempo melhor.
Vou listar dificuldades que eu tive ao longo da carreira ou que profissionais que eu conheço tiveram e a maneira que encontrei ou outras pessoas encontraram de lidar melhor.
Peso
Esse é um problema que eu vivo e que a maioria dos jogadores que eu conheço vivem. É muito difícil não passar por isso, a rotina, principalmente de MTT, nos força a comer rápido e alimentação rápida não combina muito com alimentação saudável. Resultado é um monte de pizza, lanche e congelados com muito mais calorias do que a gente gasta sentado jogando.
Embora eu ainda esteja no sobre peso, a solução pra isso é bem simples: exercício e uma alimentação melhor. Não tem muito o que comentar, por mais desregrada que seja a vida de um jogador de MTT, não é impossível regular um horário de exercício + alimentação. Pra quem mora com alguém que possa cozinhar, a solução é um pouco mais simples, arrumar um esquema que possibilite comer no break uma refeição rápida e leve como frango/bife/peixe grelhado com salada, torradas com requeijão, gelatina, etc… enfim as opções são muitas, talvez não tão saborosas como pizza, mas funcionais na questão do peso.
Pra quem não tem a ajuda de ninguém na cozinha, como no meu caso a solução é antes de começar a sessão deixar mais ou menos tudo esquematizado, carne temperada, salada lavada e correr nos 5 minutos de break pra preparar a comida.
Jogadores de cash não sofrem muito com o tempo, fica um pouco mais fácil organizar a alimentação.
Depressão
Outro problema que atingiu inúmeros jogadores e freqüentemente é associado ao peso. A rotina de grind, seja cash ou MTT, é intensa, não tem outra maneira de se construir um bankroll de maneira sólida e evoluir no jogo sem essa dedicação sobre-humana. A combinação de tempo de jogo + falta de vida social + ganho de peso + um swing pra baixo freqüentemente é depressão.
Eu não passei por isso, mas conversei com bastante pessoas que passaram e a solução é conhecer seu limite, não adianta grindar 12 horas por dia, se isso causar um burnout em um mês. A dica é não abandonar os exercícios físicos e cuidar da mente, fator que freqüentemente eu vejo sendo ignorado. Terapia, meditação, ioga, qualquer atividade que nos desligue por alguns momentos do poker é válida e ajuda a evitar maiores problemas. Terapia foi a primeira coisa que procurei quando resolvi viver apenas do poker e com certeza ajudou a não passar pela depressão.
Sono
Problema comum, principalmente com jogadores de MTT. O ganho de peso somado a falta de rotina no horário de dormir prejudica demais o sono. Há sempre aquele período em que se vive sonolento em qualquer hora do dia, não importa quantas horas se durma.
A dica é mais uma vez exercício e alimentação, porque não tem como mudar a falta de rotina, ainda mais agora com o nosso horário de verão e o horário de inverno americano que nos coloca a 3 horas do East time, com o sono em si, só posso recomendar um quarto escuro e com o maior silêncio possível.
Em tempos de grind é comum estarmos muito envolvido com o jogo, pensando e repensando situações ao final de uma sessão. Eu tiro pelo menos uma hora pra tomar um banho, ver um seriado ou um filme leve pra desligar minha cabeça do poker e conseguir ter um sono mais tranqüilo.
Vida social
Existem dois problemas relacionados a vida social. O primeiro é a falta de tempo, o grind é sempre mais lucrativo aos finais de semana, que é quando as pessoas estão de folga e nossa folga é justamente quando as pessoas estão trabalhando. Algumas pessoas vivem bem com uma vida social calma, se esse não é o seu caso, seja bem vindo ao meu mundo. Eu preciso de tempos em tempos ver meus amigos, tomar uma cerveja e colocar o papo em dia. A solução é drástica, tirar pelo menos um final de semana por mês pra ver amigos e familiares, é melhor do que ter um burnout pelo meio do caminho e deixar de lucrar por um período maior de tempo.
O segundo problema é causado pelo primeiro. Como não temos tempo de nos relacionar socialmente com nossos amigos que não jogam, passamos a conviver socialmente quase exclusivamente com outros jogadores e nos excluímos do mundo. Eu acho isso um problema a partir do momento que passamos a não ver mais graça nas pessoas “comuns” e passamos a evitar sair com quem não é do meio.
Isso em um primeiro momento pode ser atraente, é legal conviver com pessoas que estão na mesma sintonia que você, que vêem graça em uma aposta boba, que não tem uma limitação imediata de dinheiro e nem de tempo, mas infelizmente essa não é a realidade do mundo. Não adianta se isolar em um casulo que não se sabe até quando vai durar. No longo prazo isso pode ser um tormento enorme, por mais que como todo mundo eu tenha feito amizades que eu pretendo levar pra vida toda no poker, não posso simplesmente me esquecer de amizades antigas.
A dica é valorize as amizades antigas, em algum momento essas pessoas foram importante pra você, resgate isso. Por mais divertido que seja uma balada com a galera do poker, a vida social não é só feita disso.
Valor ao dinheiro
Isso é comum a quase todo mundo. Eu lembro que antes de jogar poker, na fase ruim, qualquer nota de R$5 reais era valorizada, porque a grana faltava, não sobrava. Atualmente eu vejo uma nota de R$50 e não consigo perceber o valor real que isso representa. Isso é um problema.
A maioria das pessoas supervaloriza dinheiro, o que também não é legal e não ajuda um jogador de poker. O ideal seria valorizar o dinheiro no valor que ele tem. Nem pra mais, nem pra menos.
Isso somado a só conviver com jogadores de poker, é um convite pra quebrar o bankroll. Mais uma vez ai se faz necessário o convívio com quem não é do meio pra equilibrar as coisas. Nesse ponto meu convívio com minha mulher é muito benéfico, porque (re)aprendo a não desvalorizar e ensino a ela a não supervalorizar o dinheiro.
Por mais que pareça glamuroso ser indiferente com dinheiro, no longo prazo (sempre ele!) essa indiferença é o que separa um milionário de uma pessoa comum.
Um abraço e até o próximo artigo.
José Irineu
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