Recebi de um amigo pelo WhatsApp. O que me parece é que se um dia o Poker vir a ser regulamentado como esporte da mente ou qualquer outra atribuição o nosso cash game vai ficar de fora. O que acham?
NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Brasília-DF, 03 de Março de 2015
À Stack eventos Esportivos S.A BSOP – Brazilian Series of Poker
End:
Ref: Alteração regulamento BSOP 2015
Ilmo Sr. Representante legal,
via seu advogado, nos termos do art. do Código Cível c/c art. do Código de Defesa do Consumidor bem como as normas do Estatuto do Desporto – Lei 9.615/98 com objetivo de preservar direitos e no intuito de resgatar a discussão sobre a real natureza do Poker enquanto esporte da mente e para que se preserve seu formato de desporto e não mero jogo de azar é que se passa a aduzir o seguinte.
1. Com preocupação se verificou logo na primeira etapa do campeonato brasileiro de Poker 2015, pela conhecida série BSOP, que o formato de organização do torneio foi alterado, substancialmente, especialmente no chamado “main event” ou evento principal com a inserção da possibilidade de reentrada no mesmo dia de torneio mediante aquisição de novas fichas; agravada, sobretudo, pelo caráter ilimitado de aquisições, os chamados “buy in”.
2. Em outras palavras, durante as seis primeiras horas de torneio, especialmente onde o fator álea não é preponderante diante da razão “stacks” e “blinds” (número de ficha pelo chamado pingo ou aposta obrigatória), o poker enquanto esporte da mente foi transformado numa espécie de “bingo” ou “jogo de azar”, o que viola frontalmente diversas normas brasileiras, especialmente o código de desporto, a chamada Lei Pelé e seus princípios, conforme se deduzirá ao longo da presente notificação.
3. Com efeito, pela primeira vez se instituiu o sistema de reentradas ilimitadas para o evento principal do torneio, sem que houvesse uma ampla discussão sobre o cabimento do presente formato, segundo as leis brasileiras, na medida em que a alteração das regras do torneio vai na contramão da história da evolução do Poker, enquanto esporte, no Brasil e mundo afora.
4. Não se precisa adentrar a fundo na questão, pois é de sabença ordinária as tantas discussões havidas, as inúmeras decisões judiciais, os diversos pareceres técnicos onde aqui se recorda do famoso laudo do perito Ricardo Molina, que analisou o Poker de modalidade Texas Holden no limited, a mesma adotada no evento principal, sem que a possibilidade de reentradas fossem consideradas.
5. Se criou um consenso de que o Poker sob a modalidade “cash game” (jogo de dinheiro) não seria admitida como esporte da mente, exatamente pelos malefícios que a modalidade pode ensejar, como indução ao vício, prejuízos à saúde tanto mental quanto financeira do participante, em última análise, com eventuais seja à família ou a sociedade.
6. Lamentavelmente, o que se fez com o novo formato de 2015 foi a instituição de uma mescla de jogos de Poker, uma espécie de “cash game” camuflado com o tradicional Texas Holden no limited.
7. Rompeu-se com a natureza de esporte da mente para privilegiar o mero fator financeiro do participante. Quebrou-se com a “igualdade” dos competidores na medida em que um jogador que venha a perder todas as suas fichas nas horas iniciais pode voltar ao torneio inúmeras e ilimitadas oportunidades.
8. Isso por si só já quebra a igualdade entre os participantes, porque sabemos haver custos envolvidos numa competição; viola a sistemática de pontos do torneio nacional pois oportuniza maiores chances a quem paga por sua reentrada; fomenta o vício enquanto pratica de mero jogo de azar diante da ausência de limites.
9. Esses aspectos acima enunciados, por si só, já colidem frontalmente com o próprio Estatuto do Desporto, onde se estabelece já como princípio fundamental, em seu art. 2º, inc. XI, o fator de esporte de segurança do esporte, onde se deve propiciar ao praticante “de qualquer modalidade desportiva, quanto a sua integridade física, mental ou sensorial”.
10. Ora, a instituição de nova regra em que se possibilita o ilimitado, é fator de risco desmedido, que vai na contramão das diretrizes normativas, pois ainda que o jogo de poker não tenha o caráter preponderante de azar, é um tipo de atividade que sabidamente há fatores estimulantes que levam à crença do dinheiro fácil, da fortuna instantânea, sendo essas características que induzem ao vício.
11. A propósito, esse processo de se buscar cada vez o estímulo de recompras nunca foi analisado sob o prisma da própria consideração da natureza do jogo, se o torna ou não um jogo de azar. Discussão essa compartilhada pelo próprio segmentos de jogadores. Se antes o debate era externo ao universo dos participantes, vindo dos órgãos de segurança pública, a regra de reentrada agora já passa a ser questionada internamente, no que enseja dúvidas se há ou não contravenção penal no novo formato. A suposta pratica desportiva que deveria ser uma pratica lúdica, tornou-se fator de risco. O esporte não pode ser elevado, como se disse, a fator de vício.
12. E não só isso, se relativamente aos princípios fundamentais da atividade desportiva se elege a segurança como fator a ser observado, deve-se ter em mente, na forma do mesmo diploma legal, a própria responsabilidade social dos dirigentes, o enunciado do parágrafo único, inc. III do mesmo art. 2º da Lei em referência, pois a implementação de regra que fomente o “jogo pelo jogo”, ou melhor, que instituiu o “cash game” (a “cashização de torneio”) apenas para auferir lucro em detrimento da saúde de jogadores deve ser reavaliada.
13. E mesmo que tal regra só venha a valer por certo período do jogo, sua instituição desnatura toda a construção técnica, lógica e social do Poker enquanto esporte da mente. Nem mesmo no chamado evento principal do evento americano (main event WSOP), onde o jogo de azar é plenamente autorizado, especialmente na cidade de Las Vegas, se prevê a possibilidade da cláusula de reentrada.
14. Aliás, vale citar trecho do artigo do Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Leonardo Araújo Marques, em “Aspectos legais e tributários do Poker e dos demais esportes da mentes: A necessidade de uma regulação específica”, publicado pela Escola da Magistratura do RJ, v. 15, p. 199-216, jul-set 2002, onde se afirma:
“(...) contudo, ainda se debate se em relação às apostas avulsas, em dinheiro(fichas), numa modalidade conhecida como “cash game)I(...). O único ponto de discórdia da jurisprudência, hodiernamente, são os jogos de Poker em que as apostas em dinheiro SÃO ILIMITADAS, em modalidade conhecida como “cash game”.” (grifos nossos)
Portanto, infelizmente, ao se instituir a modalidade de recompras ilimitadas, a organização do torneio fugiu dos regramentos que deveria observar para permanecer no sistema de jogos da mente, portanto, sob a proteção das normas desportivas.
15. Por fim, por não necessitar de mais alongamentos, é a presente notificação em caráter formal para os fins de IMEDIATA REFORMULAÇÃO das regras do campeonato brasileiro de poker, com o retorno das regras tradicionais, onde não se permite a recompra de fichas para o mesmo dia na fase de classificação, os chamados dia 1, sob pena de submissão do estatuto do torneio aos meios judiciais próprios.
16. Abaixo, fossem as regras do atual BSOP, a inesquecível frase do narrador de futebol Galvão Bueno que, aos gritos, anunciava “É TÉÉÉÉÉTRA, É TÉÉÉÉTRA...” seria assim:
(...)não é tetra ainda, o Baggio pediu para beter o pênalty de novo, deu rebuy Pelé. Isso pode Arnaldo? (...)
Definitivamente não.
Isto posto, é a presente NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL para que seja revista a regra do regulamento do torneio BSOP, edição de 2015, retirando-se a possibilidade de reentradas, no mesmo dia, em caso do jogador perder todas as suas fichas, a contar do prazo de 5 (cinco) dias do recebimento da presente, sob pena da adoção das medidas judiciais pertinentes.
Cordialmente.
AVISO: TÓPICO ANTIGO
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