Tribuna de Minas - Contravenção ou esporte da mente? (Precisa de cadastro para ler o jornal)
TRIBUNA DE MINAS - ESPORTES
PÔQUER
Contravenção ou esporte da mente?
Guilherme Arêas
Repórter
Jogadores sentados à mesa, cartas distribuídas e fichas apostadas. Some a isso muita sagacidade, sorte e poder de observação e seja bem-vindo ao polêmico mundo do pôquer (ou poker, em inglês), o jogo de cartas que vem ganhando cada vez mais adeptos em Juiz de Fora. Há quem veja a modalidade como esporte, há os que enfatizam a diversão, os que criminalizam a prática e até os que vivem exclusivamente das cartas. Em Juiz de Fora, embora não haja casas que explorem o jogo abertamente, já existem pessoas que ganham até R$ 5 mil por mês com os jogos on line, assim como há aqueles que perdem milhares de reais em apostas. Mas, afinal, o pôquer é um jogo de azar ou um esporte que exige habilidade mental, assim como o xadrez?
Na visão da Associação Internacional dos Esportes da Mente (IMSA, sigla de International Mind Sport Association), o pôquer é considerado um esporte mental. Tanto que a entidade já incluiu há duas semanas a modalidade nas olimpíadas dos esportes da mente, que ocorrerá na Inglaterra em 2012, junto aos jogos olímpicos. "Este é um marco para o pôquer. Isso irá ajudar a libertá-lo das interferências governamentais e outras restrições desnecessárias pelo mundo", avalia Anthony Holden, presidente da Federação Internacional de Poker (IFP, sigla de Federation of Poker), no site da entidade.
Se, para a maioria dos praticantes domésticos o pôquer é apenas um passatempo, com disputas sem apostas ou com fichas de baixo valor, para as autoridades, o assunto é controverso e está longe de ter uma resposta unânime. Apesar de grande parte condenar o jogo, em Juiz de Fora não há casos de repressão à prática. A legislação brasileira também não faz qualquer citação específica ao assunto. O debate, no entanto, leva em consideração a Lei de Contravenções Penais (decreto-lei 3.688), de 1941, que ainda prevê multas em cruzeiros. De acordo com a lei, é considerado de azar e, portanto, proibido, "o jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte". O texto também diz que quem explora jogos de azar pode ser punido com "prisão simples, de três meses a um ano, e multa, de dois a quinze contos de réis, estendendo-se os efeitos da condenação à perda dos móveis e objetos de decoração do local".
Controvérsia
Na visão do delegado da Polícia Federal em Juiz de Fora, Marcos Enrique Almeida Silva, o pôquer deve sim ser encarado como uma contravenção penal, pois estaria incluído na categoria de jogo de azar. A opinião é corroborada pelo delegado da Polícia Civil, Rodolfo Rolli. "Pessoalmente, acredito que seja jogo de azar, pois, além de depender também da habilidade do jogador, a sorte influencia diretamente", defende Rolli.
Embora o titular do Juizado Especial Criminal, Celis George Serra de Souza, classifique o assunto como "extremamente controvertido", ele acredita que, perante a legislação, o pôquer é considerado contravenção apenas se for jogado com apostas em dinheiro e em locais públicos. "Em um bar, onde as pessoas estejam jogando, a polícia pode autuar como contravenção penal. Já em casa, a polícia não pode entrar sem mandato." Ainda segundo o juiz, não há registro de ações que envolvam a prática do pôquer em Juiz de Fora nos últimos anos.
Esporte da mente
Há quem não concorde em chamar o pôquer de esporte, mas, para muitos, ele é considerado um esporte da mente. "Eu considero como competição. Mas como o pôquer pode ser jogado fora de torneios, em casa, acaba perdendo um pouco o lado esportivo", diz Juliano Maesano, editor-chefe da revista "Flop", a principal publicação nacional sobre o Texas Hold'em, a variante mais popular do pôquer.
Ainda segundo Juliano, que também é comentarista de dois programas de pôquer no canal Bandsport e People & Arts, o jogo/esporte é um dos mais democráticos. "O Campeonato Paulista já teve campeão de 81 e de 19 anos, além de mulheres. Eu mesmo jogo contra a minha mãe e contra a minha esposa. Outro dia, meu pai me eliminou em uma mesa", conta.
Para o presidente da Federação Mineira de Pôquer, Ricardo Bauer Ferreira, ao contrário do que acontece com o bingo, reconhecido como jogo de azar, o fator sorte é apenas uma das variáveis que determinam o resultado de uma partida de pôquer. "A quantidade de fichas, a posição superior ou inferior de um participante, o poder de persuasão, o perfil mais medroso ou corajoso de um jogador; tudo isso influencia no pôquer. Por outro lado, você pode usar toda a sua habilidade e não dar certo, porque vai entrar o fator sorte", destaca.
"Quando começamos a jogar em São Paulo, os delegados de polícia recebiam denúncias, mandavam investigar e até fechavam o local onde estava sendo realizado o jogo, pois achavam que era cassino. No começo, existia falta de informação, mas alguns estados ainda tratam o pôquer como contravenção", admite Maesano. O editor da "Flop" ainda conta que a Justiça do Paraná é pioneira em encarar o jogo com maior normalidade, e a maioria das ações já são favoráveis a quem organiza mesas de pôquer no estado.
Cartas na manga
A falta de garantia sobre a legalidade leva os amantes do jogo a disputar as mesas em ambientes caseiros. Tanto que, em Juiz de Fora, não há clubes que realizem disputas oficiais - os quatro campeonatos realizados nos últimos dois anos foram organizados pelos próprios jogadores. Mas os entusiastas do jogo lançam mão de várias cartas na manga. Estudos e documentos oficiais são apontados como determinantes para a descriminalização do pôquer. Um deles, um laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística do Estado de São Paulo, conclui que "trata-se de um jogo de habilidade, pois ficou constatado que a habilidade do jogador que participa desta modalidade depende da memorização, das características (número e cor) das figuras apresentadas no decorrer do jogo e do conhecimento das regras e estratégia em função desses fatores."
Já um estudo da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, divulgado em 2008, trabalhou com 40 estudantes com pouco ou nenhum conhecimento do pôquer e os fizeram jogar 200 mãos. Metade dos estudantes foi informada das estratégias básicas e análises matemáticas do jogo. O restante recebeu apenas informações sobre o histórico dos jogos. O resultado mostrou que aqueles com informações estratégicas tiveram muito mais vitórias do que os demais. Outra pesquisa, realizada pela empresa Cigital e usando como amostragem 103 milhões de mãos no site PokerStars.net, concluiu que 88% das jogadas dependem do fator habilidade, e 12%, da sorte.
Juiz de Fora na onda da "pokermania"
O educador físico V.L.A. participa de mesas quase que diariamente e garante: em Juiz de Fora existem pessoas que vivem exclusivamente do pôquer. "São estudantes que largam a faculdade e profissionais que abandonam o emprego para se dedicar ao jogo e ganham até R$ 5 mil por mês jogando pela internet", conta.
O limite entre a diversão e os riscos financeiros é determinado pelo valor de entrada, acordado entre jogadores antes do início da partida. Na mesa frequentada pelo empresário W.K., o montante não ultrapassa os R$ 5 para cada jogador, e cada aposta vale R$ 0,10. "A diversão é entre amigos, mas mesmo assim colocamos um valor para as pessoas não brincarem de qualquer jeito e acabarem atrapalhando o jogo", explica.
Em Juiz de Fora ainda não há entidade representativa da modalidade, o que torna impossível precisar quantas pessoas praticam o jogo na cidade. No entanto, na comunidade "Poker - Juiz de Fora", no Orkut, cerca de 320 pessoas trocam informações sobre o assunto.
Nos Estados Unidos, país onde o pôquer tem maior número de praticantes - cerca de 60 milhões - a verdadeira febre teve início a partir de 2002, quando o canal de TV ESPN começou as transmissões de campeonatos usando microcâmeras, que permitem aos telespectadores verem as cartas de todos os jogadores.
A "pokermania" por lá é tão grande que já envolve artistas, esportistas e políticos. Os atores Ben Afleck e Matt Damon e o nadador Michael Phelps assumiram publicamente sua paixão pelas fichas. Já o milionário Bill Gates e o presidente norte-americano, Barack Obama, atribuíram ao pôquer diversos benefícios ao corpo e à mente.
No Brasil, o número estimado de praticantes regulares chega a dois milhões, e pode crescer ainda mais com a recente estreia do programa "Poker das estrelas", transmitido nas madrugadas de sábado para domingo, pela TV Bandeirantes, o primeiro canal aberto no Brasil a transmitir a modalidade. Comandado por Otávio Mesquita, o programa reúne quatro celebridades para disputar R$ 10 mil semanais. "O combinado é que, quem vencer, doa para uma instituição de caridade. Esse é o objetivo, de as pessoas se divertirem e também fazerem o bem", explica Mesquita no site da emissora.
O profissionalismo também vem tomando conta dos amantes das cartas, principalmente com o fortalecimento do Brazilian Series of Poker (BSOP), principal competição nacional. Este ano, o torneio, surgido em 1996 já teve etapas em São Paulo e no Rio de Janeiro, e segue para Florianópolis, Curitiba, Caldas Novas (GO), Porto Alegre e Salvador, voltando ainda a Rio e São Paulo até o fim do ano.
Para se ter ideia da quantidade de dinheiro que o torneio movimenta, a premiação em jogo no dia decisivo da etapa de São Paulo, disputada entre o fim de fevereiro e o início de março no hotel Sheraton WTC, variava entre R$9.500 (12º ao décimo colocado) e R$165 mil, prêmio que ficou com o campeão do torneio, o catarinense Pedro Todorovic. Esta é a primeira temporada em que o BSOP é transmitido pela TV, via ESPN. Para os amantes do pôquer, uma grande vitória.
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Postado originalmente por Billgama
