Quando for defender a legalidade do poker no Brasil, diga apenas que “não é jogo de azar”, por favorVocê já deve estar sabendo que, na tarde da última quarta-feira,
a polícia fechou o H2 Club em São Paulo (maior clube de poker do Brasil). Assim como em casos bem parecidos que aconteciam há uns dez anos, a acusação do delegado Osvaldo “Nico” Gonçalves, da Delegacia Especializada em Atendimento ao Turista (Deatur), é de que se tratava de um estabelecimento de jogo de azar clandestino. Ou seja, proibido no Brasil.
Para a comunidade de poker, um absurdo óbvio. Para um jornalista mal informado e pouco competente como o Rafael Italiani, do Estadão, uma oportunidade para
fazer um sensacionalismo baixo nível que rende milhares de cliques e aumenta sua moral com o chefe. Matérias sobre o “estouro do cassino clandestino” se espalharam pelos portais online, TVs e rádio. A esmagadora maioria, preguiçosas e equivocadas como a matéria do Rafael.
Obviamente, a comunidade do poker se revoltou com os absurdos que leu e ouviu. Redes sociais e áreas de comentários em portais foram inundadas por amantes do jogo indignados. O próprio delegado dizendo pra Veja que “qualquer jogo com apostas é proibido no Brasil” já mostra o quanto a sociedade ainda está mal informada sobre o assunto.
Sinceramente, não estou preocupado. O trabalho liderado pelo Igor Federal na CBTH em todos esses anos foi focado em buscar a legitimação do poker como jogo de habilidade. Não faltam laudos jurídicos, pesquisas, estudos, documentos e jurisprudências favoráveis para provar que o delegado Nico armou um circo à toa. Até
torneio de oficiais das Forças Públicas de Segurança já rolou durante um BSOP, doutor Nico!
A única coisa que me deixou preocupado foi a argumentação da galera do poker para justificar a legalidade do jogo no Brasil. Aparentemente, muitos de nós estão um pouco mal informados também.
Muita gente disse que “poker é um esporte da mente” ou “poker é reconhecido pelo Ministério dos Esportes”. O Benedito Junior, jogador que deu declaração pro
vídeo da Veja, por exemplo, foi um deles. Disse que existe uma lei que diz que poker é jogo de habilidade e que é reconhecido como esporte. Não é nada disso! Esse post é pra esclarecer as coisas e deixar nosso discurso uniforme e infalível.
Para começar, o mais importante é saber que
ser ou não reconhecido como esporte não tem a ver com a legalidade do poker no Brasil.
A única coisa que importa, em relação à lei, é que poker não é jogo de azar.No mundo inteiro, poker é reconhecido como um jogo de habilidade, um “skill game”. Já a ideia de que o poker é um “esporte da mente” é uma coisa mais restrita ao Brasil. Nosso país é pioneiro na luta pela “esportificação” do poker. Mas, se você perguntar para um profissional americano se poker é esporte, ele provavelmente vai responder “não”. Se você perguntar se é um jogo de habilidade, 100% das respostas serão “sim”.
A discussão sobre poker ser ou não esporte abre espaço para diversas interpretações. Sobre poker ser jogo de azar, não. É só prestar atenção no que diz a
lei brasileira de contravenções penais, no Art. 50, sobre o que é o jogo de azar:
"O jogo em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente da sorte”Simplificando: para ser considerado um jogo de azar, o poker precisaria depender, no mínimo, de 51% de sorte (levando o termo “principalmente” ao extremo). Se isso fosse verdade, André Akkari, Caio Pessagno, Yuri Martins, Gabriel Goffi, Rafael Moraes, Thiago Crema e tantos outros seriam empresários, advogados, médicos, engenheiros, dentistas, comerciantes… tudo, menos jogadores profissionais de poker.
Afinal, é impossível ganhar regularmente e a longo prazo em qualquer jogo que dependa 51% ou mais da sorte. Hoje, é cientificamente e legalmente comprovado que
poker é um jogo onde o ganho e a perda dependem, principalmente, da habilidade do jogador, e não da sorte.
Já a discussão sobre o poker ser ou não um esporte é outra coisa. É uma questão nossa, da comunidade do poker. Ainda temos que discutir muito e chegar a um consenso sobre esse assunto entre nós. Só depois usaremos isso como argumento de legitimação do jogo perante a sociedade. Por enquanto, na minha opinião, deveríamos usar apenas o argumento infalível: poker não é jogo de azar.
Vou resumir meu raciocínio de um jeito que qualquer poker player vai entender:
Se disser que poker é legal no Brasil
“porque é esporte da mente” você vai estar, na melhor das hipóteses, entrando num
coin flip. Se disser que é legal
“porque não é jogo de azar”, qualquer argumentação contrária está
drawing dead.
Se poker não depende principalmente da sorte, ele não é jogo de azar. Se não é jogo de azar, não é ilegal. Ponto final. É bem simples, não tem nada a ver com apostas. A lei diz muito claramente: é a natureza do jogo que define se ele é ou não um jogo de sorte/azar.
Veja bem, não estou dizendo que você deve parar de chamar o poker de "esporte da mente". Só estou explicando que não é isso que faz o poker ser legal no Brasil. Discutiremos se poker é ou não é esporte aqui mesmo, em breve. Mas não hoje. Hoje é dia de aproveitar a oportunidade para a comunidade do poker brasileiro diminuir a ignorância da sociedade sobre nossa atividade.
O H2 Club ainda nem reabriu e estou escrevendo aqui que não vai acontecer nada demais, além do incoveniente da batida policial em si. Talvez eu esteja errado, mas minha suposição não é chute. É uma constatação de alguém que acompanha há anos o trabalho do Federal na CBTH. Aparentemente, o caso do H2 trata-se da mesma alegação feita por várias autoridades ao longo dos últimos dez anos, e para as quais a CBTH está muito bem preparada para se defender. No entanto, é importante reiterar que o delegado tem total direito de ir atrás para entender do que se trata. Mesmo estando um pouco atrasado.
Pra finalizar, uma declaração que o próprio Federal nos deu hoje, enquanto ia para uma reunião com um comandante da Polícia Civil, continuar seu trabalho de defesa da causa. "As autoridades podem questionar quantas vezes quiserem, estão no seu direito. Toda vez que acontecer, estaremos lá para nos defender. Uma vez, dez vezes, cem vezes... quantas vezes forem necessárias, até não precisar mais", disse o presidente da CBTH, enquanto trabalhava para defender nosso direito de praticar o jogo que amamos.
Um abraço a toda a comunidade! Nunca desistam de defender nosso jogo, ele é legítimo!
por Guga Fakri
PS: Em 2006, quando me formei na Faculdade de Jornalismo da UFSC, em Florianópolis, meu trabalho de conclusão foi um video documentário sobre poker no Brasil. Naquela época, com uma pesquisa simples, constatei que não se tratava de um jogo de azar. Pesquisa que jornalistas e delegados deveriam fazer antes de tirarem qualquer conclusão. Para quem nunca viu os vídeos, vale a pena conferir como foi o início do poker profissional no Brasil. Quanta evolução!
Pokerdoc - Quando for defender a legalidade do poker no Brasil, diga apenas que
Achei foda esse texto.