Postado originalmente por
JoseIrineu
Então vc não entendeu meu post, muito menos a entrevista do Criolo.
Ele não ta falando que ele tem certeza, ele ta falando que a certeza na quebrada é que vc vai ser nada. Eu não sei qual sua experiência de vida, se vc conhece muita gente pobre. Se eu fosse chutar, eu diria que vc tem um mínimo de noção, mas não o suficiente pra entender o quadro todo.
Minha maior briga por exemplo com pessoas próximas a mim é fazer elas acreditarem que é possível ser ambicioso. Auto estima é uma parada muito importante e ela se encontra em níveis bem menores na periferia, isso é um fato. Um cara que nasce na classe média, média alta, tem outro tipo de confiança, outro tipo de ambição, quando mais dentro de uma quebrada, mais difícil é. Acordar todo dia numa pobreza material grande, mina sua confiança, sua vontade de fazer algo diferente.
Quanto a meritocracia, se seu discurso é o que é melhor pra sociedade, então vc errou. Quem está dentro da periferia não é menos competente, pelo contrário, crescer na quebrada, na pobreza acaba criando skills, tanto de relacionamento interpessoal, como pro atividade, criatividade, que seriam úteis em vários setores da sociedade, podendo inclusive quebrar paradigmas. Tem uma pa de gente que nasceu em classe média/alta que se competisse de igual pra igual com a periferia que só conseguiria fazer trabalho braçal. Não existe meritocracia da maneira como vc está falando, o cara tem que ser muito, mas muito sem vontade pra fazer trabalho braçal nascendo em classe média.
Acontece que a sociedade simplesmente não aceita a periferia como ela é. Um moleque não pode sair da quebrada como ele se veste lá e ser respeitado, ninguém respeita, nego já tem medo, trata diferente. Uma vez eu estava com uns amigos descendo a Augusta pro lado do Jardins, a gente tinha ido em uma balada de rap, tava todo mundo usando a vestimenta da balada. Pra quem não conhece é um bairro dos mais ricos em SP. Tinha uma família com o carro estacionado, conversando na calçada, quando eles notaram a gente, vcs não tem noção do pavor que eles ficaram, correram todos pra dentro do carro e saíram cantando pneu. Um dos manos que estava com a gente disse "contagem regressiva pra tomar geral" eu ainda duvidei. Coisa de 5 minutos depois, bom, vcs já conhecem a rotina.
Esse é o tipo de episódio que te marca, te deixa bem claro que depois da ponte vc não é bem vindo. Minha mina por exemplo, teve que fazer uma escolha, nenhum dos amigos dela de infância me aceitaram e deixaram claro que era por eu ser negro e pobre. Todas as vezes que eu conhecia algum amigo dela era a mesma coisa, nego não conseguia esconder o desconforto por estar do meu lado. A história é bem mais longa e tem bem mais detalhes, mas acho que deu pra entender o ponto principal que é, em São Paulo (acredito que tenha cidades grandes no Brasil que sejam diferentes) o centro não aceita conviver com a periferia e não aceita nem a acensão social se o cara não mudar seu comportamento, gíria, gosto musical, roupas.
E pra não perder o costume, um trecho de uma música do Racionais, pra vc ter uma ideia, o nome da musica é da ponte pra cá
"Da ponte pra cá antes de tudo é uma escola,
Minha meta é dez, nove e meio nem rola
Meio ponto a ver... Rum e morre um,
Meio certo não existe "tru" o ditado é comum"
Eu posso ficar contando história aqui a tarde inteira sobre a diferença entre periferia e centro aqui em SP. Inclusive como vc é tratado diferente até dentro da universidade, eu fiz várias atividades na faculdade, de maneira que convivi com uma galera de vários cursos e te falar que é difícil mano, pra nego te respeitar vc tem que ter uma personalidade muito forte e disposição pra se defender.