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A coisa começa a ficar feia quando se nomeia um responsável por dizer o que é fato e o que não é, dentro de uma multiplicidade de opiniões e interpretações mais ou menos imperfeitas. O que o Facebook está fazendo é nomear um consórcio que vai atuar como uma espécie de "Ministério da Verdade" orweliano, uma estrutura que, ao deter o monopólio de dizer o que é verdade e o que não é, logicamente deterá também o monopólio da falsificação da verdade. O Facebook está transferindo o filtro da verdade, da consciência de cada indivíduo, para uma estrutura centralizada cujos interesses nunca são devidamente explicitados. Versões "não autorizadas" da verdade ainda poderão ser escritas, claro, porque censura é uma palavra feia e fora de moda, mas tudo que não receber o selo de qualidade do Minivero será movido para os "buracos da memória" dos porões do Departamento de Ficção. A sua versão dos fatos não será calada, mas o público não terá acesso a ela.
Na segunda feira, por exemplo, João Amoêdo afirmou em entrevista ao Roda Viva que "a quantidade de mulheres eleitas nas câmaras municipais hoje é menor do que antes da cota [de 30%, no mínimo, para cada sexo]". A Agência Lupa, uma das empresas contratadas pelo FB para fazer "fact checking", rotulou tal afirmação como FALSA, afirmando que "o número de mulheres eleitas vereadoras cresceu desde a adoção da cota, em 2009. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em 2008, 6.504 mulheres (12,5% do total) foram eleitas. Nas primeiras eleições municipais seguintes, em 2012 – já com a cota valendo, foram 7.656 (13,3% do total). Em 2016, houve nova alta: 7.810 mulheres eleitas, ou 13,5% do total." (
Amoêdo diz que cota não levou mais mulheres às câmaras municipais. Será?). Mas há dois meses, em março, a mesma Agência Lupa cravou, em matéria na Piauí, que "cota de candidatas não elevou o número de mulheres eleitas", justificando que "enquanto as candidaturas femininas em eleições gerais cresceram de 14% em 2002 para 31% em 2014, o número de mulheres eleitas teve inclusive uma leve queda: passou de 11,2% em 2002 para 10,8% em 2014."(
SobreElas: cota de candidatas não elevou o número de mulheres eleitas). É verdade que no primeiro caso a afirmação cingiu-se ao número de VEREADORAS eleitas, enquanto no segundo caso tratou-se de mulheres eleitas em todos os cargos, mas ambas as estatísticas podem justificar tanto a conclusão de que a lei de cotas melhorou quanto a de que ela piorou a representação feminina, que é a discussão de fundo relevante para o eleitor. Além disso, escamoteia-se o fato de que o número de mulheres eleitas vereadoras já vinha numa trajetória de crescimento muito antes da Lei de Cotas: foram 11,6% nas eleições de 2000, aumentando para 12,6% nas eleições de 2004. O mais interessante é que quem assina ambas as matérias é o MESMO jornalista, Chico Marés, que num espaço de apenas dois meses parece ter mudado de opinião sobre o que deve ser ou não tratado como "verdade".
Ninguém aqui está questionando a orientação ideológica ou a boa-fé do jornalista Chico Marés. A questão é que ele é um dos investidos pelo Facebook para dizer se o que EU digo é ou não verdade, quando ele próprio não parece ter uma percepção coerente dos fatos. E se você acha que usar números e estatísticas aumenta a chance de se estar correto sobre qualquer coisa, perceba que em ambos os casos ele vomitou estatísticas, primeiro pra "provar" que cotas para candidatas não aumentam a representatividade feminina em geral, e segundo para provar que melhoram a representatividade feminina, mas APENAS nas câmaras municipais. E ao esconder o fato de que a representatividade feminina nas câmaras municipais já vinha aumentando desde 2000, muito antes da lei de cotas, ele FALSIFICA a percepção da realidade de todos aqui, ao fazer parecer que a lei sozinha foi responsável pelo fenômeno.
Quem checa os fatos das agências de checagem de fatos?