Postado originalmente por
Fonteles
As 30 cidades mais violentas do Brasil, segundo o Ipea | EXAME.com - Negócios, economia, tecnologia e carreira
"Vivemos no país mais violento do mundo (
Jornal da Globo - Brasil é o país que, em números absolutos, mais mata no mundo), aqui nascer negro, pobre e sem acesso às oportunidades de estudo, isto é, se não for herdeiro do capital simbólico que condiciona as crianças e jovens às carteiras do vestibular, você certamente terá uma adolescência difícil, no limiar entre a morte e a vida.
Não à toa o nome do disco mais famoso do Racionais Mc’s se chama “Sobrevivendo no Inferno”, e cada faixa do disco é um manual de sobrevivência; uma lição do “certo” em cada linha, um modo de “proceder” necessário na periferia para que as relações no campo de extermínio sejam minimamente justas ao menos entre os matáveis.
Eu cresci e vivi por quase 10 anos na Vila Macedo, em Piraquara. Vários já se foram, e nem um dos que eu andava conseguiram fugir do alcool/crack/prisão/morte, NEM UM mesmo, infelizmente.
Hoje saiu o mapa do IPEA sobre a violência no Brasil, e Piraquara apareceu como o oitavo município mais violento do país, com uma taxa de homicídio de 87,1 mortes a cada 100 mil habitantes.
Desde cedo percebi que a morte prematura e violenta era comum, os menino bom morrendo cedo, vários talentos desperdiçados, lugares vazios à mesa de jantar, filhos crescendo sem a presença dos pais, herdeiros desse mesmo destino, da repetição trágica e ‘infinita’ do ciclo interminável da morte. Mães carregando o peso do mundo nos ombros, cemitérios lotados no dia dos finados.
A morte torna-se mais que mera possibilidade (andei distraído na rua, fui atropelado, morri) e passa a ser ‘morte-presença’, espectro terrível que paira sobre algumas quebradas, configura as identidades, ajuda na conformação dos laços e relações sociais.
Nesse cenário de urgência a imediaticidade interpela cada manifestação da individualidade, lembrando que o amanhã é incerto, seja pela morte, seja pela prisão, então o whisky com energético na balada garante o mínimo de sentido e prazer nessa vida de adversidades. O nike no pé é o garantidor absoluto do estatuto mínimo de cidadania (ou humanidade). O agora é o tempo de Kairos, do acontecimento, da vida enquanto ela tem sentido, das experiências de prazer que fazem esquecer o subemprego humilhante, que volta e meia é colocado na mídia como o destino de quem “não deu certo na vida”, para os derrotados (
Atividade com alunos vestidos de vendedores e garis em caso de não aprovação no vestibular causa polêmica | RS / Rio Grande do Sul | G1).
Já o tempo dos grandes planejamentos, do “quero fazer medicina no vestibular”, das 6 horas regadas a todynho e apostilas do positivo diárias, dos 5 anos da faculdade de direito mais 3 estudando 8 horas para concurso, como é o perfil dos nossos iluminados e meritocráticos juízes e promotores, esse tempo é o do Chronos, de quem sabe que estará vivo hoje, amanhã e sempre, é o mundo em que as repetições são colocadas no cálculo do custo/benefício, na suspensão da vida hoje, para que a vitória seja alcançada amanhã.
Eis a questão, o “amanhã” enquanto oportunidade é privilégio de quem não enfrenta o drama do aluguel todo mês, dos currículos enviados e sem resposta no último mês do seguro desemprego, no desespero do mano que acabou de virar pai e sente o peso de sua pobreza recair sobre o destino do ser humano que ele mais ama.
O amanhã é mola propulsora que faz a playboyzada acreditar em seu longo processo de adestramento meritocrático, enquanto que para os jão-ninguém do mundão o amanhã é uma obrigação, uma preocupação, uma dúvida cruel se ainda estaremos vivos, e se nosso salário aumentará o suficiente para acompanhar o aumento do aluguel.
Mano Brown foi no âmago da questão; ‘me diz o que se quer, viver pouco como um rei, ou muito como um zé?’ Vários homens-bomba da periferia escolhem diariamente a primeira opção."
Renato A. Freitas Jr.