" "Nenhum dos momentos que as pessoas descrevem como os melhores de suas vidas me parece análogo. O nascimento de um filho deve ser extraordinariamente emocionante, mas na verdade não tem o elemento crucial da surpresa, e de qualquer forma demora demais; a realização de ambições pessoais - promoções, prêmios e coisa que o valha - não tem o fator temporal do último minuto, e tampouco o elemento de impotência que senti naquela noite. E o que mais existe que possa propiciar a mesma subitaneidade? Um prêmio enorme na loteria, talvez, mas o ato de ganhar grandes quantias de dinheiro afeta uma parte da psique totalmente diferente, e não tem nada do êxtase comunitário do futebol.
Portanto, não existe literalmente nada para descrever isso. Já exauri todas as opções disponíveis. Não me recordo de mais nada que eu tenha desejado por duas décadas (o que mais pode com sensatez ser desejado por tanto tempo?), e tampouco recordo-me de algo que tenha desejado ainda garoto e já homem feito. Portanto, sejam tolerantes com aqueles que descrevem um momento esportivo como o melhor de suas vidas. Não carecemos de imaginação, e tampouco levamos vidas tristes e áridas; apenas a vida real é mais pálida e mais chata, e contém menos potencial para o delírio inesperado."
"Vou ao futebol por um monte de razões, mas não para me divertir, e quando olho em torno num sábado e vejo aqueles rostos tristes e apavorados, vejo que outros sentem a mesma coisa. Para o torcedor apaixonado, o futebol-espetáculo existe da mesma forma que aquelas árvores que tombam no meio da selva: você presume que é algo que acontece, mas não tem como apreciar a coisa"
Nem o casamento é tão rígido: ninguém flagra um torcedor do Arsenal indo escondido a Tottenham para uma farra extraconjugal, e embora o divórcio seja uma possibilidade (você pode simplesmente parar de torcer se a coisa ficar ruim demais), arranjar um novo caso é algo fora de cogitação. Durante os últimos 23 anos, muitas vezes vi-me esquadrinhando as letrinhas miúdas do meu contrato procurando uma saída, mas não há. Cada derrota humilhante (Swindon, Tranmere, York, Walsall, Rotherham, Wrexham) tem de ser tolerada com paciência, coragem e indulgência; simplesmente não há nada que possa ser feito, e a consciência disso pode deixar você louco de frustração.”
"Portanto, a memória de um obsessivo talvez seja mais criativa que a memória de uma pessoa comum; não no sentido de inventarmos coisas, mas no sentido de termos uma memória cinematográfica barroca, cheia de inovações como cortes descontínuos e telas divididas. Quem mais, senão um torcedor de futebol, usaria uma bola perdida num campo lamacento a 450 quilômetros de distância para recordar um casamento? Ser obsessivo requer uma louvável agilidade mental."
"... mas minha vida foi medida em compromissos do Arsenal, e todo evento de alguma importância tem uma sombra futebolística. A primeira vez que fui padrinho de casamento? Perdemos por 1 a 0 para o Spurs na terceira rodada da taça da Liga, e escutei o erro trágico de Pat Jennings em meio ao vento da Cornualha num estacionamento. Quando terminei o meu primeiro caso amoroso de verdade? No dia seguinte a um empate decepcionante por 2 a 2 com o Coventry em 1981."
"Porque seja qual for a boate, peça ou filme a que você for, seja qual for o concerto que você ouça ou o restaurante onde você coma, a vida estará acontecendo em outros lugares na sua ausência, como sempre acontece; mas quando estou em Highbury vendo jogos como esse, sinto que o resto do mundo parou e está reunido do lado de fora dos portões, esperando para ouvir o placar final.""