O herbanário olha para o doutor, enquanto eles ouvem todos falarem.
A taça de Orlando é reenchida todas as vezes nas quais ele a esvazia, e logo sua fala começa a ficar mais mole, mas nada que afete seu raciocínio. O corpo do monge já não subsiste mais sem o álcool.
Após todos falarem, o doutor pede um momento, e sobe as escadas.
O herbanário olha para Torv e fala:
"Lamento, meu pequeno, mas não tenho nada que possa ajudá-los. Vocês estiveram na minha casa, pelo que me disseram, e viram a destruição que foi feita. Todas as minhas poções, ervas unguentos, tudo foi destruído, e desde que saí de lá, estou vivendo às custas do bom doutor, já que tenho medo de sair na rua, logo, não tenho nada para lhes oferecer".
Pouco depois, o doutor desce as escadas, com um saquinho de moedas.
Ele as vira na mesa, e diz:
"Isso é tudo o que tenho. Fiz um acordo com o estalajadeiro, dei grande parte das minhas economias para ele poder reformar este lugar e deixá-lo ainda mais bonito e aconchegante, e, em troca, ele não cobra de mim e do meu velho amigo aqui, hospedagem e alimento, apesar de que procuramos não dar muitas despesas a ele. Desculpe-me, não sei o que meu aprendiz lhes ofereceu, mas essas moedas de prata são tudo o que me resta. Eu sempre fiz um trabalho voluntário, ajudando os outros no que precisavam, dificilmente cobrando por algo. Quando eu recebia, era porque meus clientes decidiam pagar por algo, eu nunca cobrei daqueles que não tinham como. E com a ajuda das ervas do meu amigo aqui, ficou cada vez mais fácil cuidar das pessoas, sem precisar ficar comprando ingredientes caros para fazer os remédios.
Lamento, mas não tenho como lhes oferecer nada. Os Zinfraud poderiam ter tirado minha vida, doeria menos do que esta situação de ter que me esconder pra sempre. Se a briga pelo poder na cidade reduzisse, se algum dia as famílias fossem destruídas, aí talvez eu poderia voltar a exercer meu trabalho. Eu sonhava em ser prefeito, em fazer o bem por todos, mas com os três, o prefeito daqui nada mais é do que um saco de lixo, sendo chutado de um lado pro outro, fazendo o possível para não entrar no caminho de nenhuma das três famílias."
Após ouvir a conversa, o estalajadeiro chega próximo a eles, meio sem jeito, e diz:
"Sei que, como aventureiros, vocês têm mais dinheiro que as pessoas normais. É capaz de terem entre vocês mais do que eu ganho num mês, especialmente se os boatos de que todos estiveram de alguma forma envolvidos com as famílias. Sendo assim, desta vez eu não posso fazer de graça a estada e a alimentação e vocês, especialmente se aquele amigo enorme de vocês acordar e vir aqui. Ele me deu um prejuízo absurdo, que foi recuperado graças aos investimentos do bom doutor, mas não tenho como fazer nada além disso.
Dito isto, vão querer comer algo?"
Ele mal acabara de dizer isso, quando um homem baixo e magro entrou no ambiente. Ele trazia vestes brancas e imaculadas, o brasão de Lin-Wu estampado no robe. Os olhos rasgados indicavam suas origens tamurianas. O rosto cansado de viagem, uma mochila nas costas, os cabelos grisalhos, ele colocou uma moeda de ouro no balcão e falou em voz alta:
"Comida e cama para um servo de Lin-Wu, onegaishimasu?"
A entrada dele na estalagem deixou todos atônitos.
O doutor perguntou para Musashi em voz baixa:
"Amigo seu?"
Musashi examinou o recém-chegado, desconhecido dele, enquanto o clérigo observava seu ambiente. Seus olhos se encontraram. O olhar do clérigo se prendeu aos olhos semipuxados de Musashi, um olhar furtivo para a armadura, o reconhecimento do brasão de seu deus. Um sorriso se formou nos lábios do recém-chegado que, deixando a moeda no balcão, veio na direção deles. O tempo parecia ter parado, ninguém falava. A chegada fora tão surpreendente que até Gandir demorou alguns momentos antes de se dirigir ao balcão, recolher a moeda e entrar pela porta atrás da entrada.
Ao chegar próximo a Musashi, o clérigo se curvou, à moda típica dos orientais, e disse:
"Konnichiwa, meu irmão. É um prazer e uma surpresa enormes encontrar um servo de nosso deus por estas bandas tão distantes de Tamu-Ra. Vejo que está em grupo, que deselegância a minha." Ele então se curva a todos e diz: "Konnichiwa, companheiros de meu irmão. Não quero interrompê-los, voltem à sua conversa, só estou de passagem para descansar, prossigo viagem amanhã."
Dizendo isso, ele se afastou deles, indo se sentar à mesa mais distante de onde eles estavam. Gandir saiu do balcão, foi conversar com ele, voltou para a mesa deles e disse: "E então, quererão algo?"