"O tema dos livros/série é a luta pelo poder. O Martin tem uma visão muito cética sobre a natureza humana. E é isso que faz seus personagens tão reais, apesar de viverem em um mundo de fantasia. Desde o primeiro episódio, ele mostra que as pessoas podem ser ambiciosas, vaidosas, traiçoeiras, mentirosas. E que a proximidade com o poder amplifica esses defeitos. A briga pelo trono é basicamente isso, uma epopeia de personagens covardes, falsos, ambiciosos e vaidosos lutando pra ver quem toma o trono.
E, mais legal, ele mostra que o mal muitas vezes vence, sim. É essa a mensagem da primeira temporada, quando o íntegro e honesto Ned Stark morre nas mãos dos Lannisters exatamente por não abrir mão de seus princípios, ou quando o John Snow se fode reiteradamente por ser muito correto. E é isso que atraiu muita gente, não é aquela história clássica da dramaturgia em que o bem passa um perrengue, mas no final sempre derrota o mal.
Mas isso é apenas o pano de fundo. No meio da briga entre os Lannisters, Baratheons, Stark, Greyjoys e Tyrrel, surge uma líder carismática, desterrada, que, depois de uma vida sofrida, choca surge como a heroína que vai salvar o mundo daqueles nobre corruptos ( e com todo o simbolismo que vem por trás, é uma Targaryen, mãe de dragões.)
Aí é que entra a moral da história: não acredite em líderes messiânicos. As maiores barbaridades cometidas pela humanidade tiveram como protagonistas líderes que se pretendiam "quebrar a roda", mudar "tudo isso que está aí". O Terror dos Jacobinos foi isso: os "puros" guilhotinando todo mundo que pudesse ser visto como "inimigo da Revolução". Os regimes totalitários do séc. XX foram a mesma coisa. Hitler e Stalin acreditavam estar criando um novo homem, ou um novo mundo.
A Dany representa exatamente isso, e não é de agora. Essa questão já tinha sido colocada quando ele lutou contra as cidades escravagistas. Lá ela "quebrou a roda", mas o resultado não foi um mundo melhor. Pelo contrário, o resultado foi o caos social, e uma série de barbaridades cometidas por aquela que se achava a representante "do bem". Só que, como o Tyrion bem lembra em sua conversa com o John Snow no último episódio, ali ninguém se importou porque quem foi crucificado era "do mal".
Então eu discordo que tenha havido essa grande mudança. A evolução da Dany foi corrida demais, porque os roteiristas não souberam conduzir essas últimas temporadas. Mas ela é extremamente coerente com toda a história. E, principalmente, é coerente com a mensagem que, IMO, ficou escancarada nesse último episódio. Os diálogos entre o Tyrion e o Snow, e o diálogo seguinte entre Snow e Dany, deixaram isso muito evidente. Dany se tornou perigosa desde que libertou Meeren e virou a paladina do bem.
E isso é uma mensagem sempre atual e sempre importante. No Brasil, teve (e ainda tem) muita gente "do bem" impondo pautas e ideias e absurdas. Essa turminha, arvorando-se na sua suposta bondade, acabou gerando os ressentidos cidadãos "de bem", que também se acham cruzados e os detentores da virtude (Cruzadas que, por sinal, são mais uma exemplo de movimento de gente "de bem" que só gerou o mal).
Em suma, a história tem uma moral, sábia e importante, que foi muito bem delineada no final da série. Só isso já a coloca acima de 99% das séries.
Mas também não acho que foi perfeita, a parte sobrenatural ficou completamente perdida no enredo. Ficou parecendo só um chamariz, sem muita relação com a narrativa. O desenvolvimento e o roteiro também não deixaram a desejar nessa últimas temporadas.
Esses críticas, no entanto, me parecem pequenas quando você percebe que a história tem pé, cabeça, e uma mensagem importante a passar. Eu até tinha achado que a mensagem ficou óbvia demais (especialmente nos 5 minutos que englobam os diálogos Tyrion/Snow e Snow/Dany. Mas como não vi ninguém comentar sobre isso, talvez a série tenha sido mais sutil do que me pareceu.
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