"Efeito Probabilidade" - Nem sempre o +Ev é o certo...
Ápós discutir um deal -ev que fiz em um pote de 400 bbs no live, um amigo meu, que é físico, me enviou esse texto. (nesse deal eu minimizei muito a chance de perder, porém abdiquei, conscientemente, de uns 15% de equidade no ev total)
Queria compartilhar com vocês:
Segundo a Teoria Econômica mais tradicional, você – ou qualquer outra pessoa – é alguma coisa bem parecida com o ser humano, num n e g ó c i o b a t i z a d o d e h o m o economicus. Esse bicho é capaz de fazer cálculos matemáticos perfeitos, consegue contemplar o futuro de maneira consistente, acessa, processa e analisa informações sob possibilidades infinitas.
Em ambientes de incerteza, mais especificamente sobre o apreçamento dos ativos financeiros, consegue atribuir preço adequado e probabilidade a cada cenário possível. Ou seja, o preço de um ativo hoje refletiria, com perfeição, uma média ponderada pela probabilidade de todos os eventos possíveis no futuro, trazidos a valor presente por uma taxa de desconto apropriada.
Você se acha parecido com isso?
Não que isso seja bom ou ruim, mas o fato é que a hipótese do homo economicus não encontra aderência com a realidade. Um brinde às nossas limitações! A perfeita racionalidade da Teoria Econômica tradicional pode facilitar bastante as coisas para a realização de cálculos matemáticos e diferenciais, satisfazendo um pouco o anseio da ciência jovem de afastar-se das ciências sociais e, pretensamente, aproximar-se da Física e da Hard Science em real. O economista é um physic envy, um invejoso da Física. Busca a mesma formalidade das ciências naturais para fingir neutralidade do pesquisador e completo rigor do conhecimento. Na prática, porém, as coisas são bastante diferentes. Temos capacidade limitada de acesso, coleta e processamento de informações. Mais do que isso, somos, em várias situações, máquinas programadas para cometer erros, naquilo que Daniel Kahneman batizou de vieses cognitivos.
Quando falamos da atribuição de probabilidades de ocorrência, então, os erros de cálculo são simplesmente avassaladores. Com os estudos de Kahneman e de seu amigo Amos Tversky formalizados principalmente na Teoria Prospectiva, ficou claro como os seres humanos não levam adequadamente as probabilidades de ocorrência ao preço dos ativos. Em tese, se fôssemos perfeitamente racionais, cada aumento de probabilidade de ocorrência deveria ser levado, proporcionalmente, ao preço dos ativos. Se um evento passa de 0% a 10% de chance de acontecer, isso deveria ter o mesmo efeito de quando passasse de 10% para 20%, certo? Analogamente, se ele passa de 80% para 90% de probabilidade de ocorrência, haveria de ter impacto idêntico à eventual mudança de 90% para 100%. Kahneman e Tversky observaram, porém, que, na prática, não funciona assim. A atribuição de probabilidades, diferentemente do que supõe a Teoria Econômica neoclássica, não ocorre de forma intelectual e proporcional. Ao contrário, há um efeito muito maior nos extremos, ao se passar de 0% a 5%, e de 95% a 100%, naquilo que os estudiosos chamaram, respectivamente, de “efeito possibilidade” e “efeito certeza”.
Explico um pouco melhor. Para isso, faço uso de situação exposta pelo próprio Daniel Kahneman. Imagine que suas chances de receber US$ 1 milhão melhoraram em 5%. As notícias são igualmente boas em cada um dos casos abaixo?
A. Ao passar de 0% para 5%.
B. Ao passar de 5% para 10%.
C. Ao passar de 60% para 65%.
D. Ao passar de 95% para 100%.
De acordo com a Teoria Econômica clássica, você ficaria igualmente feliz em cada um dos casos. Sua utilidade (proxy para felicidade ou bem-estar) aumentaria rigorosamente a mesma coisa em cada incremento de 5% da utilidade de receber um milhão de dólares. Mas, francamente, essa previsão da teoria clássica está de acordo com a real sensação que você teria em cada uma das situações? Parece um tanto natural imaginar que o sentimento de se passar de nenhuma chance (0%) para alguma chance (5%) é mais impressionante do que se passar de 5% para 10%. Analogamente, a concreta certeza (passar de 95% para 100%) também sugere uma sensação mais intensa do que o simples incremento gradual de 5% ao longo do processo.
No primeiro caso, cria-se uma possibilidade que não havia antes, uma esperança de conquistar o prêmio. Aqui, ocorre não apenas uma mudança quantitativa (de que subimos 5%). Há, também, uma transformação qualitativa, ligada a essa nova possibilidade, anteriormente não contemplada. Conforme diz Kahneman, “a mudança de 5% para 10% dobra a probabilidade de vencer, mas há um consenso geral de que o valor psicológico da perspectiva não dobra. O grande impacto de 0% a 5% ilustra o efeito possibilidade, o que faz com que resultados altamente improváveis sejam pesados desproporcionalmente mais do que merecem. Pessoas que compram bilhetes de loteria aos montes mostram-se dispostas a pagar muito mais do que o valor esperado por chances muito pequenas de conquistar um grande prêmio”.
De forma parecida, a melhoria de 95% para 100% é outra mudança que transcende o escopo quantitativo estrito. Aqui há uma questão qualitativa em jogo. Passamos de uma mera possibilidade para algo concreto, naquilo que foi chamado de efeito certeza. Resultados que são quase certos recebem menos peso do que a probabilidade deles justifica – assim, ao caminharmos para a total certeza, há um ajuste brutal. Kahneman ilustra o caso como um exemplo anedótico.
Diz assim: “Imagine que você herdou um milhão de dólares, mas sua cunhada gananciosa contestou o testamento no tribunal. A decisão é esperada para amanhã. Seu advogado lhe assegura que você está bem embasado legalmente e sua chance de vitória é de 95%. Obviamente, ele toma o cuidado de lembrá-lo que decisões judiciais nunca são perfeitamente previsíveis. Então, você é procurado por uma empresa de ajuste de risco, que se oferece para comprar seu caso por 910 mil dólares na hora – é pegar ou largar. A oferta é mais baixa (em 40 mil dólares) do que o valor esperado se você aguardar o julgamento (ou seja, 950 mil dólares), mas você tem certeza absoluta de que iria querer rejeitá-la?” 3 A conclusão dos estudos é contundente: os pesos de decisão que as pessoas atribuem a resultados não são idênticos às probabilidades desses resultados, contrariamente ao princípio da expectativa descrito pela Teoria Econômica tradicional. Resultados improváveis recebem peso excessivo – isso é o efeito possibilidade. Resultados que são quase certos recebem peso insuficiente em relação à certeza existente.