Postado originalmente por
brunoarbo
Só deixando meus two cents.
Eu tenho 26 anos, sou formado em Biomedicina pela UFCSPA, fiz mestrado e agora to fazendo meu doutorado (atualmente estou morando na Espanha, vim pra ficar 1 ano fazendo uma parte do doc). Desde pequeno sempre tive mais interesse pelas ciências biológicas, e sempre me atraiu muito a imagem de ser cientista, do laboratório, etc (sabe de nada inocente!). Tenho um irmão mais velho que é farmacêutico e que também tá fazendo doutorado e se dedica a ciência. Tanto eu quanto ele sempre tivemos muita facilidade no colégio e puxávamos a fila, e nos dois casos as professoras/família na época do vestibular diziam que era um desperdício termos escolhido os cursos que escolhemos, que poderíamos fazer medicina/direito (apesar disso, nossa família nunca fez muita pressão sobre a gente para escolher determinada área, embora tivessem as opiniões deles, obviamente).
Sobre minha carreira, a bolsa de doutorado não é segredo pra ninguém, tão pagando R$2200 no Brasil, como agora estou morando na Espanha, me pagam 1300 euros. Comecei minha carreira como aluno voluntário em um laboratório em 2006 e desde então não parei mais. Cabe ressaltar que a imagem idealizada que se tem (ou que eu tinha pelo menos da ciência) é muito diferente da realidade, especialmente no Brasil, especialmente no edifício onde eu trabalho. A situação física do lugar é precária, trabalhamos em um prédio do começo do século passado que não atende nossas demandas e muitas vezes passamos por situações inconcebíveis, como falta de água ou energia elétrica no laboratório (lógico, tem lugares em condições melhores no país, mas essa situação que eu relatei não é rara). Isso sem nem entrar na questão da verba que temos para manter o laboratório.
Falando um pouco sobre o atual momento, cheguei na Espanha faz quase 4 meses. Posso dizer que, finalmente, depois de uns 8 anos, trabalho em um ambiente onde recebemos um tratamento mais digno. O descaso com que a ciência muitas vezes é tratada no Brasil, a burocracia que temos que enfrentar pra fazer qualquer coisa, pra fazer compras especialmente (não temos indústria de nada no Brasil, quase tudo é importado e leva em média 60 dias pra chegar - quando chega - enquanto aqui na pior das hipóteses leva 1 semana) é muito foda. Apesar de ter sido um
call bem fácil pra mim vir pra cá (não tinha nada a perder no Brasil), creio que foi a melhor decisão da minha vida ter trocado minha vida lá cheia de "luxos" (apto grande, 3 quartos/90m2, carro na garagem, faxineira, almoçar na rua sempre e não ter que cozinhar) por minha vida aqui em um estúdio de 26m2 sem nenhum luxo. Não sei se posso dizer que tenho mais qualidade de vida aqui nesse exato momento pq como vim pra ficar 1 ano, vou improvisando o que dá aqui em casa e vamos empurrando com a barriga, mas certamente, mesmo com a crise econômica e tudo, dá pra ter uma qualidade de vida muito maior aqui do que no Brasil, mesmo andando a pé e vivendo em um lugar menor (mas um pouquinho maior que isso aqui se possível
).
Alguém colocou antes aquela frase que diz que não importa se somos capazes de bater, e sim o quanto aguentamos apanhar, e acho que isso se aplica perfeitamente na ciência. A rotina em um laboratório pode ser muito desgastante/frustrante no sentido de que errar é uma constante no nosso dia-a-dia, o normal é que as coisas não funcionem. Se a pessoa não estiver realmente convicta em trabalhar nisso, é bem provável de que desista no meio do caminho. Apesar disso tudo, posso dizer que no momento sou muito feliz fazendo o que faço, apesar de me fuder diariamente, meu trabalho já me deu a oportunidade de viajar pra vários lugares e agora tá me dando a oportunidade de viver fora do país, aprender um novo idioma e conhecer novas culturas. Como pontos positivos do trabalho, além disso, cito também a questão da flexibilidade de horários, que pra mim é muito positivo (não precisar cumprir horários, trabalhar dentro de metas, etc) e o fato de que estamos sempre propensos a aprender e descobrir coisas novas, possibilidade de mudar de rotina, etc (e claro, 1x a cada era glacial mais ou menos a gente também acerta!). A questão negativa, fora o fato de o erro ser uma constante, é que existe MUITO filho da puta no mundo da ciência, muita gente que inventa resultado e manipula as coisas, e que muitas vezes tenta induzir os que tão entrando agora nesse mundo a ir pra esse lado também. Mais especificamente no Brasil, também tem o fato de que a verba pra pesquisa é muito pequena e isso faz com que os professores tenham que ser muitas vezes bem guerreiros pra se manter pesquisando e produzindo alguma coisa.